A POESIA DAS PALAVRAS E DAS IMAGENS*
João nasceu em 1955, numa pequena aldeia do norte de Portugal, onde o mundo parecia ser delimitado pelas montanhas e pelos campos verdes. Desde muito novo, sentiu uma atração irresistível pelos livros, especialmente pelos poemas. As tardes da sua infância eram passadas em silêncio na pequena biblioteca da aldeia, um espaço acolhedor e quase mágico, onde as palavras dançavam nas páginas e transportavam-no para mundos distantes. Ali, começou a explorar os clássicos da literatura portuguesa, com uma predileção particular pela poesia de Luís de Camões e Antero de Quental, cujas palavras o tocavam profundamente.
Quando chegou ao Liceu Nacional de Guimarães, o seu contacto com a literatura expandiu-se. Era um jovem introspectivo, mas com um universo interno vasto e fértil. João devorava livros, mas o que realmente o fascinava era a poesia, especialmente aquela que quebrava as convenções e explorava novas formas de expressão. Foi nesse ambiente que descobriu o poder das palavras não apenas como veículos de significado, mas como elementos de arte visual. A poesia já não era só sobre os sons e significados das palavras, mas também sobre o espaço em que elas se encontravam.
Na década de 1970, o movimento das vanguardas literárias e a poesia experimental começaram a ganhar força, e João, como muitos outros, sentiu-se atraído por essas novas abordagens. A sua poesia foi-se transformando, criando um diálogo único entre o texto e a imagem. O jovem poeta começou a explorar formas geométricas e dispostas de maneiras inesperadas, onde as palavras formavam figuras, como se as letras quisessem tomar forma, dançar ou desaparecer.
João não procurava simplesmente escrever, mas queria que o leitor visse e sentisse a poesia de forma diferente. A palavra "caminho", por exemplo, poderia se desenrolar ao longo da página, formando uma estrada sinuosa, enquanto um poema sobre o tempo poderia ser disposto como uma espiral crescente, evocando o movimento do relógio.
Nos anos 70 e 80, sua poesia visual começou a chamar a atenção, apesar de não ser tão imediatamente associada ao movimento dos poetas concretos como os de Ernesto M. de Melo e Castro, Ana Hatherly, António Aragão e Salette Tavares. No entanto, ele compartilhava com esses poetas a vontade de quebrar as barreiras tradicionais da linguagem, criando uma nova forma de ler, olhar e viver a poesia. João usava o espaço da página como um aliado, para convidar o leitor a refletir sobre o significado da palavra não apenas como linguagem, mas também como um símbolo visual.
Com o tempo, a sua obra foi se tornando cada vez mais audaciosa. Ao invés de apenas escrever, ele "desenhava" suas palavras, fazendo-as fluir de maneira que capturavam a essência do movimento, da mudança, da transformação. Para ele, a poesia não tinha limites; ela era viva e dinâmica, um campo onde o significado se multiplicava através da interação das palavras e das imagens. João via a poesia como uma arte imersiva, onde a página em branco não era um limite, mas um espaço de possibilidades infinitas.
A sua carreira continuou marcada por esse amor à experimentação e à exploração da linguagem. Mas, ao longo dos anos, João foi se distanciando das grandes luzes da cena literária, preferindo a solidão dos seus cadernos, onde, tranquilamente, ele continuava a criar. As suas obras passaram a ser mais conhecidas em círculos de artistas e poetas alternativos, que admiravam o seu trabalho por sua capacidade de ir além da palavra escrita, desafiando os limites da percepção e da compreensão. No entanto, João nunca procurou fama; para ele, a poesia era uma linguagem íntima, uma forma de expressão que só fazia sentido quando era sincera e verdadeira consigo mesmo.
No final, João compreendeu que a sua verdadeira vocação não era ser reconhecido, mas simplesmente existir dentro do espaço mágico e infinito da palavra. Ele seguiu o seu caminho, deixando um legado único de poesia visual, onde as palavras, em sua disposição dinâmica, eram mais do que palavras – eram imagens, sons, pensamentos e emoções, tudo ao mesmo tempo.
* Texto ficcional porque hoje é o Dia Mundial da Poesia.
Imagem: Mário de Sá-Carneiro, “Manucure”
in ORPHEU 3, Lisboa, Março de 1915
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