Carta de Amor à vida (a minha)
Acordei agora. Não tenho hora para acordar—um dos privilégios de ser reformada. Desci as escadas segurando-me ao corrimão. A destreza já não é a mesma, e é melhor ter cuidado. Cair é algo que acontece frequentemente a quem sente as articulações a estalar.
— Estão crocantes, avó! — diz o meu neto, divertido.
Raios partam o miúdo, que aproveita todas as ocasiões para brincar comigo! E gosto tanto disso!
Olho para ele. Está crescido, deu um pulo nos últimos tempos. Gosto de me meter com ele, dizendo:
— Espigaste como espiga de trigo, mas as tuas pernas continuam a parecer umas canetas!
Fica marafado comigo. Argumento:
— Se eu tenho pernas crocantes, tu tens pernas magrinhas, tal e qual umas canetas!
Estamos quites e abraçamo-nos.
Olhei o dia. Todos os dias espreito pela janela para ver qual a novidade que me espera. Aguardo que a ameixeira floresça. Ando desconfiada de que este ano as ameixas não vão abundar. Já o ano passado foi assim—até pensei que tivesse dado o badagaio à árvore. Mas, milagre dos milagres, ainda conseguiu ter força para produzir pouco mais de uma dúzia de ameixas.
Começo a salivar, e a culpa é da imaginação! Ameixas doces e sumarentas…
Vou buscar um pouco de pão, mas antes agasalho-me bem. Saio para fora. O quintal está fresco. Esfarelo o pão pelo chão, regresso à janela e espero.
Não tarda nada aparece o primeiro pardal, depois outro e mais outro. Num piscar de olhos, tenho no meu campo de visão uma dúzia de pardais que se deliciam com o miolo de pão. Gosto de os ver aos saltinhos, debicando pelo chão.
De repente, esvoaçam todos—apareceu um charneco que se apoderou do banquete.
Deixa-me lá ir chamar o neto para apreciar o momento. Assim que o charneco bater asas, os pardais regressam.
E eu também regresso amanhã à janela.
Gosto de olhar para a vida.
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