ENTRE BRAÇOS BIÓNICOS E ESPIGUINHAS DE NAMORADOS

Hoje recebi um vídeo dos meus netos a viverem uma experiência absolutamente extraordinária: estavam na LEGOLAND Deutschland Resort, em Günzburg, na Baviera, montados num dos famosos braços biónicos interativos, robôs industriais convertidos em brinquedos futuristas que giram, rodopiam e fazem o corpo rir e tremer de emoção.
Sorri. Primeiro, com o entusiasmo deles. Depois, com a memória a puxar por mim. Como mudaram os tempos. Como mudaram as formas de brincar. As experiências de hoje, tão tecnológicas, tão mecanizadas, tão seguras, distanciam-se imenso do que foi a minha infância. Ou até da infância dos meus filhos. A verdade é que os tempos avançam, e com eles vêm novos modos de explorar, de viver, de se divertir. A tecnologia é o presente, e talvez devamos aprender a conviver com ela sem medo, mesmo quando nos parece fria ou artificial. É um outro mundo, mas é o mundo deles.
Ainda assim, há lembranças que me assaltam com força. Como da vez em que os netos foram fazer escalada num ginásio coberto, e me recordei da rua onde cresci. A nossa “escalada” era difícil mas bela: tínhamos um pedragulho enorme, saliente, ao qual trepávamos para chegar à rua de cima. Ali começavam as aventuras.
Subíamos às árvores, enterrávamos as mãos na lama, mastigávamos erva azeda com sabor a limão e, claro, brincávamos com aquelas espiguinhas verdes, cheias de pelos fininhos, que arrancávamos da beira dos caminhos. Chamavam-se cevada-brava, também conhecidas por rabo-de-gato, espigas espontâneas com um jeito quase mágico de se agarrarem à roupa. Fazíamos delas um jogo: atirávamo-las uns aos outros, e depois dávamos três pulos. O número de espiguinhas que ficavam coladas às costas revelava quantos namorados (ou namoradas) nos esperavam no futuro. Um oráculo pueril, encantador, que fazia parte dos nossos rituais de infância.
Hoje, os meus netos deliram com o que fazem. E fico feliz por isso. Mas noto também que têm algum receio das coisas da natureza: das abelhas, dos bichos, da terra. São meninos da cidade, como se diz. O campo é-lhes distante, quase exótico. Visitam-no de vez em quando, como quem entra noutro mundo.
E talvez seja mesmo isso que distingue as gerações: os mundos em que aprendemos a viver. O nosso era feito de chão, pedras e espiguinhas. O deles é feito de tecnologia, engenho e espetáculos robóticos. Mas o que importa, ontem como hoje, é viver com olhos curiosos e coração aberto.
Porque no fundo, seja no meio do mato ou no centro de um parque temático, o essencial é viver com espanto. E guardar memória.
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Maria Santos, Guido Matos e a 12 outras pessoas
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