QUANDO A LUZ SE APAGA, ACENDE-SE ALGO EM NÓS

 Há quem já tenha escrito sobre o apagão. Eu hesitei. Podia repetir o que aconteceu, comentar as falhas, os efeitos, as causas técnicas. Mas preferi outro caminho: refletir sobre o que essa noite escura acendeu cá dentro — em mim e, talvez, em muitos outros.

Foi uma noite de céu limpo e temperatura amena. A cidade, por umas horas, parecia ter recuado décadas. Sem a luz artificial, o firmamento revelou-se generoso, pontilhado de estrelas como há muito não se via. Saí à rua. Não era a única. As pessoas andavam devagar, quase em silêncio. E, de repente, uma surpresa: crianças a jogar à bola no meio da estrada, a pedalar e a gritar, livres, soltas, felizes. As esplanadas, desprovidas de wi-fi e carregadores, enchiam-se de conversas. Conversas reais, frente a frente. Olhos nos olhos. Como antes.
Confesso: foi bonito. Tocou-me. Mas não posso pintar tudo com tons nostálgicos e dourados. O que vi nasceu de uma falha — não de uma escolha. Foi a ausência de eletricidade que nos empurrou para o essencial, para o humano. Não foi uma decisão consciente, foi circunstância. E essa diferença é tudo.
Hoje, poucos levantam os olhos para as estrelas. Quem quer ver céu limpo tem de ir ao Alentejo, onde ele ainda se estende, imenso e silencioso. Quanto às crianças, sim, faz-lhes bem brincar ao ar livre — mas que seja por vontade própria, não por falta de rede. Que deixem, por escolha, os telemóveis e as consolas. E que os adultos, quando se sentarem nas esplanadas, o façam com prazer, não por necessidade. Que optem por guardar o telemóvel e abrir um sorriso.
A tecnologia deve estar ao nosso serviço, não ao contrário. Que saibamos usá-la com liberdade, escolhendo o que, em cada momento, melhor nos serve e nos faz bem.
A verdade é que o apagão também foi aviso. Uma pequena mostra de como tudo é frágil. Bastaram umas horas sem energia para nos sentirmos vulneráveis. E se fossem dias? E se, além da luz, faltasse a comida, a água, os meios de comunicação? A segurança? É bom que saibamos: há necessidades básicas que são mais urgentes do que qualquer ecrã. E há aprendizagens que só se fazem no escuro.
Por fim, o apagão deixou um alerta importante: precisamos de estar preparados para situações inesperadas. Um dia, a falta de eletricidade pode durar mais do que algumas horas. E com ela pode vir a escassez de comida, de água, de condições básicas. É um exercício de reflexão sobre o essencial — aquilo que, em última análise, nos sustenta.
Pode ser uma imagem de 8 pessoas, bicicleta e a rua
Gosto
Comentar

Comentários

Mensagens populares