Caminhos de Verdade: A Resistência da Integridade
Publicado em Fevereiro de 2025 na Revista ASO, pag.35
Desde cedo, fui ensinada a acreditar que ser trabalhadora e honesta era a forma mais digna de viver, o caminho certo para uma vida plena e significativa.
Recordo-me das palavras que a minha mãe costumava repetir: O trabalho faz-nos sentir dignos. A minha avó, por sua vez, com as suas mãos calejadas de anos de labuta no campo, dizia-me que “a honestidade nos identifica, ou somos ou não somos”. Cresci a observar as duas, mulheres de forte temperamento, enfrentando adversidades com a cabeça erguida, sem nunca se desviarem do que acreditavam ser o caminho certo.
Estas lições não vieram apenas em palavras, mas nos exemplos do dia a dia: a minha mãe mostrando que não se devia obter proveitos a nosso favor pisando os outros, e a minha avó com a preocupação em ajudar os vizinhos em dificuldades, mesmo quando pouco tinha a oferecer. Era uma educação quase sempre silenciosa, mas poderosa, que me fez acreditar que o mundo era justo e que a retidão sempre triunfaria. Lembro-me de uma tarde em que a minha mãe, ao encontrar uma carteira perdida na rua, insistiu em devolvê-la pessoalmente ao dono, recusando qualquer tipo de recompensa.Fiz o que era certo, e isso basta, disse ela, como que a falar para si mesmo com uma expressão de satisfação a desenhar-se-lhe no rosto.
Outra vez, vi a minha avó dizer à minha mãe para ir levar um pão acabado de cozer no forno de lenha a uma vizinha que estava a passar por dificuldades, dizendo: Ser generosa é lembrarmo-nos dos outros e ajudá-los sempre que possível. Esses momentos, embora pequenos, moldaram profundamente a minha visão sobre o mundo, reforçando a crença de que a bondade e a honestidade sempre prevaleceriam.
A minha educação incutiu-me também a ideia de que os preguiçosos e desonestos estavam destinados ao fracasso, enquanto os esforçados e íntegros colheriam os frutos do seu trabalho.
Cresci com essa convicção enraizada e, por muitos anos, cumpri as minhas responsabilidades com dedicação, honestidade e perseverança. Contudo, com o passar do tempo, comecei a notar pequenas incoerências entre aquilo em que acreditava e o que via acontecer à minha volta. Foi então que percebi que a vida não seguia os preceitos morais que me tinham sido transmitidos.
Lembro-me de como essa perceção se instalou aos poucos.
Ainda jovem, presenciei um comerciante onde eu ia fazer compras ser elogiado pela esperteza de cobrar uns tostões a mais a alguns clientes menos atentos. Gostava de arredondar as contas, dizia ele na altura. Essas situações eram perturbadoras, mas acreditava que fossem casos pontuais. Foi apenas mais tarde, no mundo do trabalho, que essas exceções se tornaram frequentes demais para serem ignoradas.
Essa constatação veio como uma onda silenciosa, mudando lentamente a minha visão de mundo, até que um dia eu já não podia mais negar a discrepância entre as minhas crenças e a realidade.
Comecei a perceber que a hipocrisia permeava a sociedade quando testemunhei situações que contrastavam fortemente com aquilo em que acreditava. Lembro-me de um diretor de escola que elogiava publicamente um colega por um projeto que não havia sido feito por ele, enquanto aqueles que trabalharam arduamente no mesmo permaneciam invisíveis. Esses momentos ficaram gravados em mim. Foi desconcertante assistir a alguém ser recompensado não pelo mérito ou pelo caráter, mas pela habilidade de manipular situações a seu favor. Esses episódios obrigaram-me a revisitar as crenças que herdei e a questionar se o mundo sempre funcionara assim ou se eu é que tinha vivido muito tempo alheia a essas realidades.
Afinal, onde ficava a verdade em tudo o que sempre acreditei? Perguntei-me isso repetidas vezes, numa tentativa de reconciliar a minha educação com o mundo à minha volta. Lembrei-me das palavras da minha avó e da sua confiança inabalável na honestidade, que parecia resistir mesmo em contextos adversos. Terá ela também enfrentado situações em que viu os valores que cultivava serem ignorados ou desvalorizados? Talvez sim, daí que tenha optado por se agarrar às suas convicções, não porque obtinha recompensas, mas porque isso lhe dava sentido e dignidade. Comecei a perceber que a verdade não estava apenas nos resultados imediatos ou no reconhecimento dos outros, mas na coerência entre o que eu fazia e o que acreditava. A perceção de que as normas de conduta que promoviam a integridade são, muitas vezes, ignoradas em favor de conveniências e interesses pessoais gerou em mim uma desilusão inquietante. A linha entre o certo e o errado parecia, frequentemente, desaparecer.
Essa realização trouxe um novo tipo de consolo: não era o mundo que definia a verdade dos meus valores, mas a forma como eu os vivia, mesmo em meio às contradições.
Foi então que compreendi uma máxima que antes ignorava: não basta viver segundo os preceitos da moralidade; é preciso saber viver num mundo onde essas ideias são celebradas em teoria, mas raramente recompensadas na prática. Essa conscientização, no entanto, não me afastou dos meus valores.
Pelo contrário, reforçou em mim a importância de manter a integridade mesmo diante de um cenário repleto de contradições e hipocrisias. Permanecer fiel à honestidade tornou-se, para mim, um ato de resistência e coragem em um mundo tão frequentemente marcado pelo oportunismo.
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