Colagem de frases

Abri vários livros ao acaso. Onde o meu olhar pousava retirava uma frase. Depois, procurei construir um texto minimamente compreensível com essas frases. Foi necessário acrescentar pequenas palavras ou frases para interligá-las. 

Em itálico estão as frases recolhidas. O resultado foi este. 

O sonho é ver as formas invisíveis da distância imprecisa e, com os movimentos sensíveis da esperança e da vontade, buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte – os beijos merecidos da verdade. (In Mensagem, Fernando Pessoa)

Mas há quem não possa sonhar. 

Porque até o sonho mesquinho dos desgraçados se estanca, porque até aos desgraçados chega o momento em que não lhes é dado sonhar. (In Os Pobres, Raul Brandão)

O sonho estanca, resseca, apaga-se. E o que resta depois? O vazio, a sombra de uma ilusão que se desfez no tempo.

Embora tivessem escolhido para o passeio os lugares mais isolados, em que a eventualidade de um encontro com importunos era mínima, a Sra. Christine tinha o coração a bater mais depressa e estava cheia de um estimulante temor. (In O Livro do Riso e do Esquecimento, Milan Kundera)

A cada passo, sentia os olhos do passado a segui-la, como se cada esquina escondesse um segredo.

Rondou a casa. Brilhava uma luz na cozinha. Procurou espreitar-lhe a sombra atrás das cortinas. Não viu nada. (In Madame Bovary, Gustave Flaubert) 

O silêncio pesava como um presságio. Depois ouviu vozes.

Era uma montagem de conversas privadas ouvidas clandestinamente e gravadas por um espião que se infiltrara entre os emigrantes para regressar depois em triunfo ao país. (In A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera). 

Palavras soltas, retalhos de histórias murmuradas. A verdade escapava-se-lhe por entre os dedos, como um sonho inacabado. Mas haveria verdade ali? Ou apenas a confusão de memórias desconexas?

Todos nós, que sonhamos e pensamos, somos ajudantes de guarda-livros dum armazém de fazendas. (In Livro do Desassossego, Fernando Pessoa). 

Classificamos os nossos dias, arquivamos os nossos medos, mas nunca conseguimos equilibrar as contas do destino.

Só uma flor humilde, misteriosa, como um vago protesto da existência, desabrocha no fundo da consciência. (In Sonetos Completos, Antero de Quental).

Pequenos sinais de vida, de resistência, no meio da incerteza.

E Christine continuou ali, na penumbra, entre o medo e a ilusão, sem saber se estava prestes a descobrir a verdade ou apenas a assistir ao fim do seu próprio sonho.



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