Laura e o Espelho da Vida


 Laura acordou estremunhada. Esfregou os olhos, calçou as pantufas gastas e enfiou o roupão puído, já sem o aconchego de outros tempos. No caminho para a cozinha, cruzou-se com o espelho do corredor. Parou por instantes. Olhou. Suspirou. O reflexo devolveu-lhe um rosto cansado, marcado pelo tempo, com a pele sem viço e algumas rugas que pareciam desenhar a sua história. O cabelo, fino e sem forma, trazia sinais de oleosidade. Fechou os olhos, sacudiu a cabeça em desalento e seguiu arrastando os pés, como quem diz, sem palavras: Não quero esta vida. Não quero esta responsabilidade.

A casa ainda dormia. Os filhos enroscados nos cobertores, alheios ao peso das madrugadas maternas. Laura aqueceu o leite, colocou as fatias de pão na torradeira e, com voz firme, chamou:

— Moços, bora acordar! Está na hora de ir para a escola!

Sentou-se e bebeu um gole do café com leite. O calor da chávena entre as mãos trouxe-lhe lembranças. O tempo da escola, das amigas, das conversas intermináveis. Nunca gostou de estudar, mas adorava aqueles momentos. Mais tarde, gostou ainda mais de namorar. Recordou as tardes em que faltavam às aulas para fumar às escondidas, falar dos rapazes, sonhar com roupas da moda que nunca podia comprar.

E aquele dia… Ah, aquele dia!

Lembrou-se de quando pintou os lábios de vermelho pela primeira vez. Saiu de casa às escondidas, não fosse o pai ver. Caminhava com as costas eretas, o peito elevado, sentindo-se linda. Botas altas, saia curta, batom vermelho — a versão mais confiante de si mesma. No caminho, ouviu piropos dos homens e, em vez de se sentir incomodada, sentiu-se poderosa. Eu existo. Eu sou vista.

Mas a vida correu depressa.

Engravidou, casou. Deixou os sonhos pelo caminho, trocando-os por contas para pagar e noites mal dormidas. Trabalha como caixa num supermercado e, sempre que pode, faz limpezas em lojas. Os dias repetem-se como um relógio cansado.

Até que, naquela manhã, ao arrumar a cama, reparou numa rosa vermelha sobre a almofada. Pegou nela devagar, como quem tem medo de acreditar. O coração bateu mais forte. Ele lembrou-se de mim.

Sorriu. Pelo menos naquele dia, alguém disse em silêncio: Hoje é o teu dia. 

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