O Quarto Escuro
Aproximo-me da porta. O metal da maçaneta está frio sob os meus dedos. Hesito. Respiro fundo. Entro e fecho-a vagarosamente atrás de mim. O coração bate mais rápido, como se pressentisse algo que a minha mente ainda não compreende. Tudo me passa pela cabeça. O que há num quarto escuro? Sei lá. Mas o que sei, com certeza, é que um quarto escuro… é escuro.
Mas o que é, afinal, o escuro? Tento imaginá-lo. Talvez o ar esteja preenchido por minúsculas partículas negras, densas, como poeira invisível que paira, se agita, se acomoda em todos os cantos. O escuro envolve-me. Se quiser, posso tentar ver formas nele – sombras que oscilam, contornos incertos, movimentos fugidios que talvez nem existam. Tenho os olhos muito abertos, como se isso me pudesse ajudar. Mas não. Não há diferença. Nem claro, nem escuro, nem sombras. Apenas o vazio absoluto.
Será que ainda tenho visão? A dúvida gela-me por dentro. Se os olhos não me servem, experimento o tato. Quero agarrar o escuro. Deve ter alguma forma, alguma substância. Ergo as mãos, fecho os dedos, aperto. Nada. Espremo o vazio entre as palmas, mas ele escapa-se-me, intocável. Mau sinal. Não vejo, não sinto… será que ouço? Talvez o escuro tenha som, um sussurro leve, um murmúrio escondido entre as paredes.
Fico completamente imóvel. Estico o pescoço, como se a audição dependesse da posição do meu corpo. Nada. Rodo devagar sobre mim mesmo, à espera de captar qualquer vibração, um eco mínimo, um sinal. O silêncio pesa, espesso, absoluto.
E o sabor? O escuro terá gosto? Abro a boca, inspiro, deixo que o ar me invada. Mexo os maxilares, saboreio devagar. Hum… sabe-me a algo familiar. Algo que sempre esteve comigo, desde o primeiro dia. Um gosto suave, fluido, aconchegante. Como o silêncio antes de um pensamento, como a ausência que afinal é presença.
E o cheiro? Se há escuridão e se eu estou aqui, algo deve pairar no ar. Inspiro profundamente. O peito expande-se. Há um cheiro. Odores ténues, talvez vestígios de uma memória esquecida. O ar, denso e parado, tem um perfume misterioso. Para mim, cheira a escuro. E o escuro é poderoso. Potente. Vivo do seu ar. Sem ele, não respiraria.
Agora sei: o escuro não é vazio. É matéria. É pele, é ar, é tempo suspenso. E eu estou dentro dele.
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