A casa

 

A casa

Olho-a sem pressa. Preciso partir. Não há lágrimas, apenas um nó discreto, antigo. As imagens vêm em silêncio: corredores frios, palavras que nunca chegaram a ser ditas. Não fui feliz aqui, não como se espera. Faltou o gesto, o olhar atento. Mas era abrigo. Era o que havia. A rua sem saída, os portões vermelhos como uma boca fechada. Sempre me pareceram demasiado pesados para se abrirem de novo. E não se abriram.

Contemplo-a uma última vez. Fica ali, imóvel. Talvez dure mais do que eu, se não a derrubarem. Recebeu passos meus, silêncios, pequenos nadas. Também risos, embora mais breves.

Levo apenas o que cabe na pele: as parreiras do quintal, as sombras densas onde me escondia do ruído, onde aprendi a inventar outros mundos.

A casa já não me serve. Mas ainda é morada de ecos. Não sei quem virá. Alguém, um dia, pendurará cortinas nas janelas, talvez arranque as parreiras. Ou não. Talvez sinta algo sem saber porquê, como se os tijolos lhe contassem uma história antiga.

E eu, enfim, sigo. Leve.



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