ENTRE O INSTINTO E O SILÊNCIO


Reflexões sobre o ser mãe, para lá da ternura idealizada
O que é, afinal, ser mãe?
Não há resposta única, nem há molde. A palavra “mãe” carrega séculos de história, de rituais, de sangue e de silêncio. Carrega gestos que não se veem e palavras que, por vezes, nunca se disseram. Em algumas culturas, “mãe” é abrigo, é ventre eterno. Noutras, é dever, é nome de guerra, é ausência necessária. Em todas, é uma figura de mil rostos, alguns ternos, outros austeros, outros ainda enigmáticos.
Nos séculos XVII, XVIII e XIX, ser mãe era, para muitas mulheres, consequência mais do que escolha. Era uma função social, um destino inscrito no corpo e na ordem natural das coisas. Nas élites, os filhos eram entregues a outras mãos. No povo, nasciam em série, sobreviviam como podiam, entre as lides do campo ou do tear. O amor, se havia, estava escondido nos gestos mínimos: um pedaço de pão partilhado, um olhar de longe, um nome dito ao adormecer. Carinho, como hoje o entendemos, era luxo.
Mas amor não é só ternura. Nem toda mãe é doce. Há mães que amam de forma seca, contida, dura. Há mães que não sabem amar, ou que não podem. E há quem carregue, pela vida fora, a ferida de um colo que faltou. Também isso é ser mãe: presença, ausência, sombra.
Hoje, em tempos que pedem escuta, presença, equilíbrio, as mães dividem-se entre o instinto e a exigência de serem tudo: mulheres realizadas, cuidadoras dedicadas, profissionais atentas, seres pensantes. E nem sempre é possível sê-lo tudo de uma vez. Às vezes, amar é afastar-se. Dar espaço. Saber deixar ir.
A maternidade é, talvez, o mais humano dos vínculos, porque imperfeito. Porque feito de dúvidas, de cansaços, de tentativas. E, por isso mesmo, tão profundamente verdadeiro.
Que lugar ocupa, então, a mãe em cada um de nós?
Para uns, é raiz. Para outros, é ausência. Para outros ainda, é mistério. Mas em todos, de alguma forma, existe essa marca: do que foi dado, do que faltou, do que se sonhou.
Celebrar a mãe não é, pois, erguer um altar à doçura. É reconhecer o humano. É aceitar que há amor com distância. Que há mães que foram mulheres antes de o ser. Que há mães que escolheram não ser, e outras que o foram sem nunca o desejar. E que todas, as que abraçam, as que repreendem, as que partem, fazem parte da vasta e complexa tapeçaria da maternidade.
“Mãe” é, em cada cultura, uma palavra cheia de ecos. Mas nenhuma língua consegue traduzir, por inteiro, o que ela é.
Nota pessoal:
Escrevo estas linhas como filha, como mãe, como mulher, como educadora. Porque ao longo da vida conheci muitas mães. Algumas deixaram saudade, outras deixaram silêncio. Mas todas, de alguma forma, ensinaram-me algo sobre o que é amar e o que é ser mãe.
Foto: 3 gerações de mães (2018)
Pode ser uma imagem de 4 pessoas e a pessoas a sorrir
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